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Agora, que tenho todo o
tempo do mundo não tenho tempo para viver como gostaria.
Não consigo mais caminhar
pelas ruas centrais de Manaus, de mãos dadas com minha esposa Yara porque,
mesmo ainda só com 53 anos, perdi o equilíbrio e não conseguiria ficar
disputado espaço com barracas de camelôs no meio da rua – autorizadas ou não,
obrigando a me desviar de lixo ou sentindo o cheiro podre de urina. Hoje, vivo
apenas das lembranças de uma cidade que já fora chamada de “sorriso”, pelos locutores da Rádio
Difusora, principalmente pelo seu dono, Josué Cláudio de Souza Filho.
Também não consigo caminhar
como gostaria porque as ruas e as calçadas são sempre irregulares, os carros estacionam
nos locais demarcados para usuários de cadeiras de rodas, que sofrem muito para
receberem esse sagrado direito de ser livres e não prisioneiros de suas
lembranças de quando podiam caminhar livres leves e soltos. Embora saiba que alguns
já nasceram assim, usando cadeiras de rodas, vítimas que foram do remédio
talidomida, muito usado como prescrição “milagrosa” pelos médicos mais antigos,
que prejudicando mães na gravidez ou de terem nascido com outras doenças, como a
pólio, por exemplo, que também lhes tirou movimentos em passos calmos, lentos,
quase preguiçosos pelas ruas, como eu também fazia, observando tudo.
Agora que tenho tempo de
sobra pouco frequento as feiras do peixe ou da banana, na orla de minha antiga
cidade sorriso, que hoje se apresenta
com dentes podres na boca alva e perfeita porque falta de estacionamentos
privativos para cumprimento das Resoluções 303 e 304 do Conselho Nacional de
Trânsito e também porque tenho pouca paciência para ficar procurando vagas em
locais que deveriam existir por direito. Não, por favor! Recuso-me a esse
constrangimento! Não desejo disputar espaços com taxistas, táxi cargas, táxis
fretes, moto táxi porque deveriam existir, também vagas sinalizadas, demarcadas
e exclusivas para cadeirantes, portadores de necessidades especiais, idosos
etc.
Agora, que tenho todo o
tempo do mundo, sinto-me prisioneiro dentro de meu próprio apartamento e, da varanda onde escrevo agora, olhando para uma
grande piscina com águas azuis, flores amarelas, ouço canto de pássaros despejados
pela força do “progresso” que só vê $ à sua frente e que nem olha para o futuro!
Agora, que tenho todo o
tempo para fazer o que também gostava, fiquei proibido de dirigir pelos médicos
que mantém minha vida. Hoje, Manaus, uma cidade com quase dois milhões de
carros e me dá melancolia ao lembrar que se andava sossegado pelas ruas sem
asfalto, saneamento, muitas sem luz, mas era feliz, com a Central de Polícia
funcionando no centro da cidade em um casarão antigo e o “senhor Jóia”, que
atendia aos repórteres com tanta educação! Essa cidade antiga de minha lembrança dolorida
quase não existe mais, como também não existiam tantos vendedores ambulantes
com barracas padronizadas e com lonas vermelhas, ainda, sem ambulantes – eu fui
um deles, mas ficava sossegadinho em meu canto e recolhia meu próprio lixo
produzido.
Agora que tenho todo o
tempo do mundo para tudo, consigo ver raras araras voando livres na natureza,
periquitos voando soltos, poucos pássaros...Vivo em uma cidade desmatada,
careca e quente. Não frequento livrarias; não tenho dinheiro para adquirir os
objetos comercializado: livros, fonte de meu prazer desde os 14 anos de idade.
Enfim, me transformei em prisioneiro das lembranças em uma cidade destroçada
pelos concretos, prédios, ganância, com ruas invadidas por ambulantes que
produzem mau cheiro de suor e urina e lixo e, pior, ainda vendem produtos contrabandeados e sem nota fiscal e sem recolher impostos!
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