terça-feira, 28 de dezembro de 2010

ANDRÉ VIDAL DE ARAÚJO, O HOMEM,, O HUMANISTA, O SOCIAL

ANDRE VIDAL DE ARAÚJO nasceu em 13 de outubro de 1898 na cidade pernambucana de Goiana e faleceu em Manaus no dia 15 de março de 1975 – Dia do Professor.
Araújo Filho, quando decidiu residir no Amazonas, trouxe toda a família constituída de várias filhas mulheres e três filhos homens. André Vidal de Araújo era o mais velho. Ruy Araújo, que se destacou na política  como deputado estadual e, por várias,  deputado federal pelo Amazonas, era um ano mais novo do que seu irmão Martim Francisco de Araújo, que falecera logo depois de chegada da família ao Amazonas.
Em toda sua trajetória de vida elegeu como seu valor maior, o ser humano. Para ele, as coisas só ganhavam valor na medida se relacionassem com o homem. Era um humanista no sentido mais primário da palavra. André Araújo era um leitor de São Tomas de Aquino.
Com isso, ele via o ser humano como o centro da criação. Suas leituras se encaminhavam nesse sentido. Lia os clássicos, pensadores católicos e os filósofos gregos. Isso vez com que ele, em toda a sua vida, se despojasse dos bens materiais. Como desembargador do Tribunal de Justiça do Amazonas, fazia questão de usar camisas costuradas pela sua esposa e companheira de ideais, a professora Milburges Araújo. Seus sapatos, usava-os  até acabar e se roupas ou sapato lhes fossem dados pelos seus filhos, crescidos e já formados, ainda assim preferia seus sapatos velhos. André Araújo achava que a pobreza podia engrandecer o homem se fosse vivenciada porque, em sua opinião, o poder e o dinheiro deformavam a personalidade do ser humano.
O menino André Vidal de Araújo era filho do jurista Francisco Pedro de Araújo Filho. Araújo Filho decidiu morar no Amazonas para fugir de injunções políticas em sua cidade natal. Com Araújo Filho, aportaram outros juristas que se tornaram famosos, como Artur Virgílio do Carmo Ribeiro e Sadoc Pereira, ambos se tornaram desembargadores do Tribunal de Justiça do Amazonas. Acompanhou-o também à Manaus, outro ilustre homem, João Corrêa
O menino André Vidal de Araújo cresceu em um ambiente tranquilo. Do pai, latinista erudito, aprendeu lições. Araújo Filho, embora tenha feito uma brilhante carreira de jurista, não quis ingressar na magistratura. O filho André Vidal de Araújo também não desejava seguir a carreira do pai. Desejava ser engenheiro. Era muito habilidoso com as mãos e achava que poderia ser um excelente engenheiro.
Conhecendo o desejo do filho pela engenharia, curso que não era ministrado em Manaus, começou a guardar dinheiro para isso.
Contudo, um roubo mudou os planos do jovem André Araújo. Sem dinheiro, como sustentar seus estudos fora do Amazonas? Impossível! Sem condições de fazer uma opção livre (a Universidade Livre de Manaus já começava  a desmoronar com os cursos de Farmácia,  Odontologia e Direito), restou-lhe ingressar na Faculdade de Direito. Este curso, ao menos, preenchia sua vocação pelo humanismo. Como aluno, foi impecável e um exímio orador. Recebeu o Diploma de Bacharel em Direito, com destaque. Logo em seguida, prestou concurso para o Ministério Público e foi aprovado. Mas desistiu da carreira de promotor para ingressar na judicatura.
Como juiz, André Vidal de Araújo atuou em praticamente todos os municípios do interior do Amazonas, mas antes ingressou no Ministério Público e só depois ingressou na magistratura.  Enquanto André Vidal de Araújo desenvolvia suas atividades judicantes no interior, em Manaus o interventor do Estado, Nelson de Melo, colocou em disponibilidade todos os desembargadores. Isso não abalou o trabalho desenvolvido por André Araújo.
Mas só a judicatura não o satisfazia mais. Era preciso despertar, além da judicatura, o seu lado humanista, humanista que estava adormecido dentro dele. Decidiu, com o apoio de sua esposa e professora Milburges Araújo, dar aula também. E assim o fez. Começou a exercer também o magistério. Em alguns municípios, só o juiz André Araújo e a esposa do juiz, Milburges Araújo, eram os únicos professores que existiam no município.
Bacharel em Direito, André Vidal de Araújo exerceu função de Promotor de Justiça no Ministério Público e depois ingressou definitivamente na carreira da magistratura.
Ainda era necessário algo mais: então, por onde passou, passou a mostrar ainda mais seu lado humanista. Aproveitando suas tardes livres e, com a ajuda da comunidade construiu escolas, contando com a ajuda de sua esposa e o tempo disponível  dos moradores. Ao trabalho iniciado por André Araújo se juntaram depois os padres dos municípios. As escolas foram construídas em regime de multirão.
Hoje, muitas dessas escolas ainda existem e são as mais importantes no município. É o caso do Instituto Araújo Filho, em homenagem ao seu pai, em Parintins e, em Manacapuru, a primeira e mais importante Escola construída por André Araújo anda existe.
A  Cruzada pela Educação,  como André Araújo batizou seu trabalho, implantou mais de 200 Escolas nos municípios do Amazonas, sem qualquer verba pública.
Como juiz na cidade de Manacapuru, André Vidal de Araújo se encantou com dois garotos, considerados por ele como muito inteligentes e talentosos. Os trouxe para Manaus. Custeou seus estudos, um, filho de um padeiro, matriculou-o  no Colégio Dom Bosco e outro, filho de outro, amigo foi matriculado no Colégio Estadual. O primeiro garoto, Henoch da Silva Reis, foi Ministro  do Federal de Recursos e depois foi indicado pelo Governo Militar para Governador do Amazonas. O outro, Carlos de Almeida Barroso, mais tarde foi professor da Escola de Serviço Social de Manaus, a primeira do Estado e a terceira do Brasil, foi professor e diretor do Colégio Estadual (Gynnasio Amazonense) e, ao falecer no Rio de Janeiro era presidente da Associação Brasileira das Academias de Letras.
O juiz André Vidal de Araújo ainda estava trabalhando como juiz no interior do Estado quando ocorreu o Estado Novo de Getúlio Dornelles Vargas, em 1930. Álvaro Botelho Maia foi escolhido pela Assembléia Legislativa do Estado como interventor federal de Getúlio Vargas para administrar o Amazonas.
O interventor, seguindo as idéias do juiz André Vidal de Araújo criou o Juizado de Menores pela Lei n. 18, de 21 de setembro de 1935, o primeiro do Estado e um dos primeiros do Brasil. No Rio de Janeiro, Melo Mattos já havia criado um. O juiz André Araújo foi convidado por Álvaro Maia para assumir a direção do juizado. Aceitou e passou a residir em Manaus.
Mais uma vez, André Vidal de Araújo se colocava frente à frente com sua vocação humanista, pois iria trabalhar em uma Vara de Menores com grande humano e social. Nesta função, revelou mais uma vez sua vocação para o social.
De Álvaro Maia, recebeu uma parte do prédio da Penitenciária Central do Estado, fazendo frente para a Rua Duque de Caxias. Embora não tenha gostado muito do local, André Araújo criou no local a Agro-Escola Melo Mattos, em 1937, para menores delinquentes, abandonados, mas em moldes muito humanistas. E esse fato foi tão significativos que os seus filhos – João Bosco, Platão Araújo e Martim Araújo – iam brincar de manja, barra bandeira e de bola com os internos da Agro-Escola, que tratavam André Araújo pelo diminutivo de pai,  “paim” como também seus filhos o chamavam.
Em  1945, André Araújo cria uma instituição semelhante para meninas abandonadas, carentes e semi-prostituídas, a Escola Premonitória Bom Pastor, mais conhecido como Instituto Maria Madalena, ampliando ainda mais seu trabalho com a infância e a adolescência.
Animado com os resultados positivos de seu trabalho, amplia-o ainda mais e cria  o Circulo Operário de Manaus, predecessor  da Previdência Social no Amazonas,  criada mais tarde pelo Estado Novo de Vargas. Os operários das fábricas de beneficiamento de borracha, sova, balata etc.,  pagavam uma pequena contribuição mensal  e recebiam uma pensão, assistência médica, aposentadoria etc., coisas que a Previdência Social passou a fazer mais tarde.
Criou, ainda, Creche Circulista Menino Jesus, até hoje em funcionamento na Avenida 7 de setembro, destinada a abrigar os filhos das operárias que trabalhavam nas fábricas de beneficiamento de produtos extrativistas. Às crianças, eram prestadas assistência médica, dentária, alimentícia e educacional.
O trabalho social realizado por André Vidal de Araújo fica cada vez mais ampliado mais ainda não o satisfazia plenamente, Então, ele adquiri um sítio no bairro Adrianópolis e decide construir no local o Instituto Montessorano Álvaro Maia, inspirado na pedagoga Maria Montessori. Como não havia bairro que o limitasse, o sítio foi sento ampliado seguidamente. Moravam em Adrianópolis, nessa época, famílias que se tornaram tradicionais no Amazonas: Adriano Jorge, Dr. Thomas, Martins, Monassa e Daou, além de outras não menos importantes.
No Instituto Montessoriano Álvaro Maia, André Araújo começa o seu grande trabalho de educação, em moldes concretistas:  mandou construir no jardim que havia em seu entorno, um relevo terrestre com lagos, montanha, rios etc., para o ensino de geografia.  Com o auxílio do Governo do Estado, que pagava professores e lhes propiciava cursos de especialização em educação de surdos–mudos, fora do Estado Suas filhas, Rita Araújo (esposa de Umberto Calderaro Filho) especializou-se em trabalho com surdos-mudos e fez estágio com padre redentorista Eugênio, um do maiores especialistas no assunto, e Tereza Araújo, que especializou-se em método braile e as duas deram aulas no Instituto.
Todo o trabalho do Instituto era mantido com a contribuição mensal através de um carnet. de comerciantes como J. G. Araújo, J. Rufino, J. S. Amorim, a ajuda de comerciantes do Mercado Municipal Adolfo Lisboa, que lhes dava alimentos e outros gêneros alimentícios, membros ilustres da sociedade e com a ajuda do Governo do Estado.
Ajudado pelo surdo mudo Moacir, usando uma carroça puxada por um só cavalo, diariamente André Araújo percorria os comerciantes do Mercado Adolfo Lisboa recolhendo doações de alimentos. Não há notícias de que um só comerciante tenha se recusado à contribuição.
André Araújo assume o posto máximo da magistratura. Como desembargador, cumpria as formalidades judicantes e as vezes dava sentenças eu não eram consideradas ortodoxas porque ele sempre contemplava muito o lado social em suas sentenças. Como escrevia e argumentava muito bem, muito bem decidia contra os textos legais, colocando sempre motivações humanas e sociais dentro de suas sentenças de mérito. Isso o tornou o desembargador maio deslocado dentro da ortodoxia do Tribunal.
Mas, apesar disso, André Vidal de Araújo não abandonou suas obras sociais e percebeu que elas não poderiam mais ser realizadas de forma amadorísticas.
Ele já tinha conhecimento do surgimento de uma nova profissão nos Estados Unidos, a de  trabalhador social, mais tarde conhecida como Assistente Social.
Começou a levantar dados sobre a nova profissão e constrói, em 1940,  a Escola de Serviço Social de Manaus, a primeira do Amazonas e a terceira do Brasil.
Com a ajuda financeira da Legião Brasileira de Assistência, criada no Governo Vargas e presidida em Manaus  por  Helena Araújo, esposa do deputado federal pelo Estado , Ruy Araújo, seu irmão, constrói em um terreno de sua propriedade a obra física.
Depois, com a ajuda do frei Pio, constrói o Museu Amazônico e expõe uma coleção de máscaras e flechas de índios da etnia ticunas.
Na Escola de Serviço Social de Manaus, ministraram aulas Henock da Silva Reis, Carlos de Almeida Barroso, os dois garotos que André Araújo os trouxe de Manacpuru para estudar em Manaus e, ainda, Nário Ypiranga Monteiro, João Corrêa, Sadoc Pereira, Artur Virgílio do Carmo Ribeiro, Raimundo Said, mas nenhum recebia dinheiro por isso. E ainda havia na Escola, como administrativas, duas  negras Sofia e Vitória,  que eram remuneradas.
A Escola de Serviço Social de Manaus foi reconhecida com a ajuda de seu irmão, Ruy Araújo, deputado federal pelo Amazonas, que conseguiu trazer a Manaus,  representantes do Ministério da Educação e Cultura – MEC. Dessa comissão de inspetores do MEC fez parte também, o professor Agenor Ferreira Lima, que representava o órgão em Manaus.
Reconhecida, a Escola de Serviço Social passa a receber recursos do Governo Federal e, depois de todos os pagamentos realizados, se permanecia ainda dinheiro em caixa, André Araújo se excluía, reunia os demais funcionários e anunciava: “ainda temos tantos contos de reis, nós somos tantos. Tantos dividindo por tantos é igual a tantos reis para cada um” e os entregava o que já estava separado para todos os professores e demais funcionários da Escola.
Com o reconhecimento do Curso de Serviço Social, o Amazonas passou a ter dois cursos superiores reconhecidos pelo MEC. Mais tarde, surgiu o curso de enfermagem, da Escola de Enfermagem de Manaus, ligada ao Ministério da Saúde.
Em 1965, é implantada a Fundação Universidade do Amazonas. André Araújo, come;a a se preocupar com a perenidade do curso da Escola de Serviço Social de Manaus. Em 1967, durante a reitoria de Jauari Marinho, apresentou uma proposta de compra da Escola de Serviço Social de Manaus.
“Eu sou contra. Neste momento, proponho a doação à FUA inteiramente grátis. Sou pedir que a Universidade respeite o direito de todos que trabalharam  aqui por tanto tempo, e de graça!” teria dito André Araújo durante reunião com todos os professores e funcionários da Faculdade de Serviço Social de Manaus.  E essa resposta foi repassada à FUA.
Na administração do reitor Aderson Dutra (1970-76), a Escola de Serviço Social de Manaus  foi incorporada ao acervo da FUA e o curso de Serviço Social foi transferido de seu antigo endereço. O local precisava de uma reforma em seu telhado, mas isso nunca aconteceu e hoje só restam ruínas no local.
O homem André Araújo, extrovertido, brincalhão, dono de um humor impressionante, capaz de fazer e contar piadas, sempre acessível às novas idéias, apaixonado pelo trabalho e pela sua biblioteca de 35 mil volumes,  prossegue sua vida como desembargador e decide entrar na política.
Em 1950, lança-se candidato ao Governo do Estado. O seu amigo Álvaro Maia, morando no Rio de Janeiro, em total ostracismo político, decide voltar para Manaus. André Araújo, então, desiste de sua candidatura  e indica Álvaro Maia em seu lugar como candidato. Faz isso em praça pública, sem consultar a ninguém. Os amigos, surpresos com o fato, o lançam candidato a deputado federal ao lado de seu irmão, Ruy Araújo. Abertas as urnas, Álvaro Maia é eleito governador, André Araújo é o mais votado para a Câmara Federal e Ruy Araújo também foi eleito. Licenciou-se do Tribunal, onde ainda era desembargador para assumir o mandato político.
Como deputado federal, levou um esboço do que ele achava ser um Código de Menores  moderno, revolucionário, educativo e não policialesco para ser aprovado na Câmara dos Deputados, depois no Senado da República e ser sancionado pelo presidente Getúlio Vargas, que prometeu apoiá-lo durante essa tramitação.
Como Getúlio Vargas não apoiou, André Araújo decidiu ir à Tribuna, fez um discurso de renúncia, voltou à Manaus e se lançou, de novo, candidato a deputado estadual, mas foi derrotado. Os líderes do PTB, Plínio Ramos Corrêa, Gilberto Mestrinho, Artur Virgílio do Carmo Ribeiro Filho e Áureo Melo, o consideravam remanescente do péssimo governo de Álvaro Maia.
Derrotado, reuniu a família e disse que a sua derrota era um sinal de que a política não era seu caminho e decidiu reassumir seu cargo vitalício de desembargador, onde permaneceu até sua morte.
O pai André Araújo, em família, era um homem rigoroso nas questões morais, mas nunca autoritário. Sobre as moças que vinham do interior para trabalhar morar em sua casa: “respeitem essas moças como se fossem irmãs de vocês. Não admitirei que um filho meu se prevaleça do fato de ser filho do dono da casa para abusar de uma pobre moça”. Depois, ele continuava a reunir e conversar, todos juntos. Os filhos emitiam opiniões, objetivavam mais isso era feito sempre em total harmonia.
 O homem André Araújo sempre foi uma pessoa simples. Viveu em dificuldades financeiras e, ao morrer,  deixou apenas uma casa, comprada financiada pelo Banco Popular de Manaus, avalisada pelo seu irmão, o deputado federal Ruy Araújo. A casa custou 11 contos de réis e ele pagava 1 conto de reis, mensalmente. Durante o Governo Álvaro Maia, o salário dos funcionários públicos sempre atrasava. Passou a comprar fiado na mercearia do português Manoel das Cabaças. Tudo era anotado em caderneta, Quando saía o pagamento, André Araújo quitava seu débito.
Em 1973, o desembargador André Vidal de Araújo perdeu a esposa Milburges Araújo. Entrou em depressão. Duas vezes por semana entrava na loja de cosméticos “Recanto da Beleza”, adquiria dois vidros de água de colônia e os despejava sobre a cova da esposa. Com a morte da esposa, companheira, amiga e confidente, decidiu que seria capuchinho. Chegou a conversar com os padres sobre isso mas faleceu de enfarto no dia 15 de 1975 sem realizar seu último desejo.
A família, após sua morte tentou identificar os credores de André Araújo. Um dos credores, Sr. Barata, dono da Livraria Acadêmica, um dos únicos que se apresentou, disse: aqui na minha livraria o desembargador André Araújo não deve mais nada. E o valor do debito do homem que era apaixonado por livros – ele os comprava muito -, nunca chegou a ser revelado.
André Vidal de Araújo, ainda em vida, viu desmoronar seu maior sonho concretista: o fim do Instituto Montessoriano André Araújo. Ele não se abateu. Não tinha simpatia pelos ricos e era um admirador do nobre francês Charles de Foucaud, que após se tornar monge fundou uma ordem, abandono toda  riqueza e a nobreza que possuía e morreu trucidado no deserto do Saara ...

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